“Vítima surda-muda e analfabeta”: uma análise crítica do direito linguístico e da representação de mulheres surdas em acórdãos judiciais

Autores

DOI:

https://doi.org/10.22297/2316-17952023v12e02320

Palavras-chave:

Linguagem, Justiça, Representação, Mulheres surdas

Resumo

A partir da relação entre Direito e Linguagem, o presente artigo propõe analisar como direito linguístico e mulher surda estão representados em textos de quatro acórdãos judiciais. De modo mais específico, buscamos revelar como o discurso é forjado por relações de poder e ideologias capazes de contribuir com práticas excludentes de atores sociais em contextos jurídicos; lançar luz à “naturalização da surdez como incapacitante e dos surdos como deficientes e limitados”. A Análise de Discurso Crítica (FAIRCLOUGH, 2001, 2003; MAGALHÃES, 2004) e o Estudo das Representações Sociais (VAN LEEUWEN, 1997), por meio de categorias linguísticas como lexicalização, significado das palavras, inclusão e exclusão de atores sociais, permitiram revelar no corpus desta análise, representações capacitistas sobre a mulher surda vítima de violência, designada nos textos como “surda-muda” e “analfabeta”, comunicando-se apenas por “gestos caseiros” e “sinais inventados”. Em contrapartida, foram excluídas (suprimidas) do texto palavras que fizessem referência à língua e à cultura da mulher surda, como “Libras”, “tradutor” e “intérprete”. Como resultado, percebemos que a pretensa imparcialidade da linguagem jurídica, validada socialmente como verdade, revela-se excludente e impõe sobre a mulher surda o sentido de incapacidade, limitação e vulnerabilidade, impactando diretamente seu direito à comunicação e à inclusão em contextos jurídicos. Da análise, espera-se poder despertar ainda o senso crítico de operadores do Direito sobre os efeitos do uso da linguagem no processo de transformação social, de modo que tenham um olhar atento não somente às normas e doutrinas, mas também às marcas ideológicas e políticas que sustentam discursos hegemônicos.

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Biografia do Autor

Valdeny Costa de Aragão, Universidade Federal do Piauí (UFPI)

Docente da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Mestre e doutoranda em Linguística pela Universidade Federal do Piauí (UFPI).

José Ribamar Lopes Batista Júnior, Universidade Federal do Piauí (UFPI)

Docente da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Doutor em Linguística pela Universidade de Brasília (UnB).

Leila Rachel Barbosa Alexandre, Universidade Federal do Piauí (UFPI)

Doutora em Linguística Aplicada pela Universidade Federal de Minas Gerais. Docente do curso de Letras-Libras da Universidade Federal do Piauí.

Marcelo Leonardo de Melo Simplício, Faculdade Uninassau/Teresina

Docente da Faculdade Uninassau/Teresina. Mestre em Direito pela Universidade Federal do Piauí, UFPI, Brasil.

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Publicado

2023-08-14

Como Citar

ARAGÃO, V. C. de; BATISTA JÚNIOR, J. R. L.; ALEXANDRE, L. R. B. .; SIMPLÍCIO, M. L. de M. “Vítima surda-muda e analfabeta”: uma análise crítica do direito linguístico e da representação de mulheres surdas em acórdãos judiciais. Diálogo das Letras, [S. l.], v. 12, p. e02320, 2023. DOI: 10.22297/2316-17952023v12e02320. Disponível em: https://periodicos.apps.uern.br/index.php/DDL/article/view/5186. Acesso em: 7 jul. 2024.